quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Os Damaias: Capítulo II- "Chegamos"

E assim se puseram a caminho os Damaias, na alegre companhia do Nikas, que se acercava deles de cada vez que paravam a sua incansável marcha, pousando a doce cabeça no cansado regaço de Hernâni. Este respondia com afáveis carícias, partilhando o pedaço de pão com uma semana que os generosos padeiros regionais lhes vendiam por meia dúzia de vinténs. E foram rumando a Norte, fortalecidos pela esperança de pão apenas com dois ou três dias. No caminho falavam. E de tudo falavam! Do tempo, da paisagem, do tempo, da nova paisagem, do novo tempo, e das bochechas do Nikas. Alguns momentos de silêncio constrangedor eram rapidamente quebrados por gentes locais que, na boa tradição da hospitalidade portuguesa, lhes atiravam calhaus. Mas não os calhaus grandes, como os brutos exemplos que chegavam do norte da Europa. Calhaus moderadamente pequeninos. As crianças, num enternecedor gesto de sensibilidade, atiravam-lhes vegetais velhos, para não magoarem os castiços estranhos! O velho sorria perante tão simpático tratamento. Depois, insultava-os e espancava algumas criancinhas, mas tudo era feito com carinho e dedicação. E foram necessárias duas semanas de boleias, esmolas e calhaus para chegarem à Damaia. Fartos da monótona paisagem do alentejo lusitano, com as suas douradas planícies ondulantes, foi com alegria nos olhos que viram os pedaços de cimento a cair dos primeiros prédios ao fim da tarde. Extasiado, Becas pulou de encanto à visão da urbe. Passearam os meandros da capital, enchendo-se daquele ar poluído e barulhento por que tanto ansiavam. Inspiraram o fumo dos luxuosos veículos que circulavam pela cidade, deliciaram-se com as tasquinhas típicas que os expulsavam do interior, e acharam-se maravilhados pelos monumentos que atraíam multidões, tal como o caixote do lixo no qual os procuradores gerais deitavam os envelopes com os quais tomavam decisões, ou mesmo o beco em que a internacionalmente reconhecida Fás Mumbiko trabalhava todas as noites. Becas, um incurável Don Juan, não parava de tentar a sua sorte com as meninas que passavam, dando uso às frases de engate mais populares de África, mas após alguns fracassos decidiu-se a tentar com os meninos, se bem que não com melhor sorte. Hernâni não desviava os olhos da riqueza arquitectónica da capital, toda a arte envolvida na construção dos postes de iluminação, o uso de tinta nas casas, a quase inexistência de buracos nos telhados das casas, tudo o que de novo a cidade lhes mostrava. E muito mostrava esta nova cidade...

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