quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Os Damaias: Capítulo III- "A Bruxa das Traseiras"

Assim que Hernâni se calou, Esbéquio fez-se ouvir:
- Quando eu era cachopo, contava-se uma lenda em Cabo Verde: dizia-se que em Portugal havia uma bruxa, mais antiga que o Mário Soares, capaz de mudar o mundo com um agitar da verruga... mas como era funcionária pública, trabalhava sempre nas traseiras de edifícios...
- Funcionária pública?
- Finanças. E diz-se que onde quer que ela esteja, há alguém com o hálito de 100 russos por perto...
- Então deve estar na traseira deste hotel.- os olhares voltaram-se para Hernâni- Vão perceber quando entrarem...
E com o aviso no ar enveredaram pelo beco que parecia levar à misteriosa traseira do escabroso edifício. A excentricidade presente na coloração do hotel afectava-lhes os olhos de uma maneira que nunca sequer tinham pensado possível, o que levou às mãos em frente dos olhos que os impediram de ver o cenário que os cercava. Prédios carmesim erguiam-se na vizinhança, albergando as gentes humildes que povoavam a Damaia. Empregadas domésticas subornavam os periquitos com alperces para que sacudissem os tapetes enquanto elas viam as novelas, picheleiros arrancavam equipamento sanitário da estrutura, um vendedor de seguros interrompe um jovem casal a aumentar o coeficiente de elasticidade do colchão da cama dos pais... assim se vivia na Damaia, e os olhos do grupo so viam o fim do beco, esperando lá encontrar o que a lenda da sua terra kwanza prometia. E foram andando, passando sem-abrigos em caixotes, sem-abrigos sem caixotes, sem-abrigos lutando por caixotes, sem-abrigos vendendo caixotes, sem-abrigos perguntando porque é que gostam tanto de caixotes. E a tinta nas paredes ia esvanecendo com a aproximação, devido aos sem-abrigo que encostavam os caixotes à parede. E então, as bocas abertas de espanto, lá estava ela, a Bruxa das Traseiras...

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