quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Os Damaias: Capítulo II- "Adalberto"

Nikas ladrava alegremente no novo jardim quando os Damaias acordavam da sua primeira noite passada n’O Canivete. E as suas caras davam a entender que todo o entusiasmo do dia anterior se tinha desvanescido com uma noite de luta contra o desconforto de tentar adormecer em sofás parciais. Falavam disso por entre bocejos enquanto Esbéquio servia o pequeno-almoço na alcatifa da sala, pois a única mesa que haviam encontrado em casa tinha acabado de partir uma das três pernas que lhe restavam. Habituados desde novos a um regime alimentar controlado, Hernâni e Becas serviram-se de uma bolacha integral cada um, das pequenas, não resistindo a deitar um olhar guloso às apetitosas tostas que Esbéquio guardava para si como um luxo do qual não havia usufruído toda a vida.
- Sabem o que esta casa precisava?- ousou Becas por entre uma boca cheia de uma esfomeada dentada na bolacha, que imediatamente desapareceu- Móveis.
- Qual quê?!- contrapôs o avô- Móveis são para mulheres e póneis. Nós não precisamos disso, nem que durmamos no chão!
Esbéquio tinha crescido num Cabo Verde economicamente devastado e insuficiente, sendo sempre habituado a sobreviver apenas com o indispensável: um rolo de papel higiénico e uma garrafa de gin. Com tudo o resto ele sabia lidar, a vida havia-lhe ensinado a não precisar de nada para viver.
- Até nem acho má ideia.- a ousadia do neto chocou o avô, mas Hernâni continuou, esperando que o mastigar abafasse as palavras que sabia não dever dizer- Nestas camas não vamos ter uma noite sossegada de sono. E vou precisar de trazer pessoas cá a casa, para impressionar na marcenaria...- sorriu ao ver que a indignação do velho começava a vacilar.- Conheço um bom decorador aqui da zona, ele pôe a casa num brinquinho num instante, e não leva caro... Que dizes, avô?
- Bem, a casa é tua... Faz o que quiseres, mas no meu quarto não quero muitas dessas mariquices, ouviste?- Ouvindo isto, Becas não resistiu a soltar uma gargalhada e a abraçar o velho, que se debatia por manter uma cara séria.
- Então está combinado, hoje de tarde trago-o por cá. Chama-se Adalberto, é chique...
E tal como prometido, naquela mesma tarde, apresentou-se n’O Canivete um sujeito magro, alto, com metade da face encovada coberta por um véu lilás que lhe caía pelas costas. Os olhos estavam tapados com uns óculos escuros, triangulares. O cabelo pintado de loiro roçava-lhe os ombros, que seguravam um xaile rosa que lhe tapava o tronco.
- Mais maricas...- suspirou Esbéquio.

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