quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Os Damaias: Capítulo III- O homem-cogumelo

E assim, despedindo-se uns menos cordialmente que todos, saíram do beco onde se acharam, perdida a luz do dia no meio da transformação de poliéster, encontrado o beco como o tinham deixado. Novos caixotes circulavam, as mesmas empregadas recebiam pagamento pelo comprado trabalho dos periquitos, picheleiros pelo trabalho que prometerão deixar pronto. Mas não tinha o mesmo brilho, nem a mesma cor que tinha quando o viram pela primeira vez, e quando Becas se voltou para trás no fundo do beco já não via a espelunca de feitiçaria que tinham visitado, sendo acossado de um medo que não sentia desde o dia em que Esbéquio começou a treinar nele as bengaladas que caracterizariam a sua relação. Foi, aliás, numa dessas sessões de treino que Esbéquio tinha dotado Becas de um dos seus traços mais reconhecíveis: o nariz. Uma estranha combinação de falta de prática na arte da bengalada e da vesguice que acompanhava a idade haviam resultado num invulgar golpe na cana do nariz, que permaneceria por muito tempo irreparavelmente molestado, exibindo um pomposo alto no meio da nasalidade.
Não estranhou as artes de feitiçaria que fariam desaparecer a barraca, e girou o cabelo fabulosamente cortado pelos ombros, um duvidoso cogumelo que carregava como prenda de chegada a solo luso de uma local barbearia. Apanhou rapidamente o grupo que já ia avançado, que não andava depressa devido à dificuldade que Nikas apresentava na locomoção com o desajeitado fato, que lhe dava mais altura do que as mulheres que passavam usavam no andar. E assim voltaram a entrar no hotel, confiantes de passar lá a noite. Um ganido sufocado por poliéster fez-se ouvir quando a recepcionista se apresentou ao balcão...

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