quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Os Damaias: Capítulo III- Origins

Entraram. Excepto Becas, que ficou a tentar atravessar a estrada. Era um espaço na sua maioria pequeno, pesadamente mobilado: uma mesa de pedra e duas cadeiras de ferrugem. Havia um candeeiro de lava no tecto, e algumas moscas carbonizadas no chão. As paredes eram de madeira coberta com um papel de parede pastoso e de origem duvidosa.
- Gostam das minhas paredes pastel?- era notória a ironia na voz.
Dirigiu-se a uma das cadeiras, deitando um olhar a uma peculiar pintura na parede.
- Não tem nada, mas gosto da moldura. - por esta altura já todos encaravam a bruxa com um sorriso.
Sentou-se.
- Podem sentar-se, desde que não seja na cadeira. Está amaldiçoada. - riu para si, mas a verdade é que ninguém arriscou.
A mesa estava coberta com uma manta do que em tempos havia sido flanela, quadriculada no contraste entre vermelho e preto.
- Era a camisa de um dos clientes. Sentou-se na cadeira...
No centro da mesa havia uma bola de esferovite com estranhas manchas de diversas cores.
- Os mortos não têm preferência por material. - apontando para o cinzeiro à beira da bola, acrescentou - Já estão mortos, não lhes faz mal.
O grupo estava surpreendido com o que se escondia na barraca, mas sentou-se, procurando um espaço seco no chão húmido. A bruxa também se sentou, e principiou o ritual de comtemplação da bola de esferovite. Esfregava as mãos na esfera, produzindo o barulho que dilacerava os tímpanos dos presentes. Havia fechado os olhos, tremendo agora as pálpebras enquanto acariciava as manchas. Por fim, levantou-se, dirigindo-se a Nikas.
- Ora deixa cá ver...- murmurou enquanto a inspeccionava. - Já sei do que precisam.
Voltou-se para um baú inteligentemente escondido por detrás de uma secção pendente de papel de parede, do qual retirou uma enorme tecido vermelho. Deitou-o por cima de Nikas e, muito calmamente e com a plenitude de uma missão completada afirmou:
- Isto é um disfarce de abre-latas. Não faço transformações ao fim-de-semana.
- Hoje é Segunda-Feira. - notou Hernâni.
- Eu é que decido quando a semana deixa de acabar! - o chão humedeceu mais um pouco.
- A propósito, ela não é um cão, é uma cadela. Deve-se ter perdido da dona.
- Viu isso na vossa grande bola da sabedoria, ó ancestral anciã? - Hernâni estava prostrado ao proferir as palavras.
- Não, vi na coleira dela. - havia na sua expressão um impagável gozo em provocar os cabo-verdianos. - São 30 aérios pelo fato e 40 aérios pela visão de sabedoria.
- Aceitas African Express? - Esbéquio retirou o cartão acastanhado da meia esquerda, entregando-o à bruxa.
- Sempre pagaste tudo assim, não foi? - quase lhe piscou o olho, mas conteve-se em frente dos clientes. Afastou-se um pouco, enquanto vestiam Nikas no fato de abre-latas, e regressou com o cartão, entregando-o a Esbéquio. - Bem, já têm o que queriam, agora saiam da minha barraca, antes que vos transforme em sapos.
- Mas não disse que só transformava à semana? - ousou Hernâni.
- Posso-te alugar um calendário para veres que é Segunda-Feira. - Deu uma risada triunfante enquanto fechava a porta de plástico.
Hernâni desabafou:
- Que puta.

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